Equipe do projeto de ACV do Ibict visita a Associação Mãos que Criam

Publicado dia 23/04/2019

A entidade sem fins lucrativos promove ações de capacitação profissional e geração de renda a partir de banners e pôsteres usados

Recentemente, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), por meio do projeto de Avaliação do Ciclo de Vida, esteve na sede do projeto Mãos que Criam, entidade sem fins lucrativos na cidade Estrutural que promove ações de capacitação profissional e geração de renda para mulheres da cidade em situação de vulnerabilidade social.

Na ocasião, foram doadas à associação várias peças de banners e pôsteres utilizados pela equipe de pesquisadores na apresentação de trabalhos em  eventos, como o Congresso Brasileiro sobre Gestão do Ciclo de Vida – GCV, que aconteceu em Brasília ano passado. As costureiras e artesãs do projeto transformam o material usado e que iria para o lixo em bolsas, carteiras, sacolas e outros produtos que são vendidos posteriormente.

A partir da visita, Thiago Rodrigues, especialista em ACV do Ibict, escreveu o artigo abaixo:

MÃOS QUE CRIAM E TENTAM FECHAR O CICLO

Um congresso científico sobre sustentabilidade tem algumas peculiaridades que o distinguem. Trata-se de uma reunião de vários especialistas que trazem discussões metodológicas, o estado da arte de temas correlatos à sustentabilidade, análises e estudos de caso, em geral com resultados exitosos no que tange melhorias de desempenho socioambiental de organizações, serviços e produtos.

E, ao mesmo tempo, um congresso traz uma série de impactos ambientais causados por vários motivos, desde o deslocamento dos participantes até a cidade e o local do evento, passando pelo consumo de materiais e energia durante o evento, até chegar ao final quando os participantes retornam aos seus locais de origem e deixam algumas pegadas. Parece um contrassenso juntar um tanto de gente que trabalha em prol da sustentabilidade para causar um tanto de impactos ambientais. Para não parecer hipocrisia, justifica-se o encontro pela maior eficiência na transmissão da informação e do conhecimento quando feito presencialmente. Eu concordo e duvido que alguém discorde que é melhor estar diante de quem realizou determinada pesquisa e interagir com ela(e) do que ler um artigo e, na melhor das hipóteses, escrever um e-mail para o(a) autor(a).

Fora a efetividade do encontro, há eventos que pretendem mitigar seus impactos ou até mesmo serem neutros. Há casos da busca por neutralidade em emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) pelo plantio de árvores ao final. Há tantos outros que só distribuem os famosos kit eventos feitos a partir de materiais reciclados. Uns melhores ainda que não entregam qualquer tipo de material: a programação, as palestras, os anais, tudo em arquivo digital. Até as perguntas a serem feitas aos palestrantes são via aplicativos. Muito bem, a coerência vem aumentando a cada dia. Mas é realmente muito difícil promover um evento sem rastros ou que os compense integralmente. Talvez o mais importante seja que ao fim, os participantes saiam conscientes de suas próprias pegadas e que incrementem seus cotidianos com hábitos mais sustentáveis.

Congresso Brasileiro sobre Gestão do Ciclo de Vida é um destes casos emblemáticos. Em cada edição, reúnem-se mais de uma centena de pesquisadores em Avaliação do Ciclo de Vida, agentes governamentais para políticas públicas mais sustentáveis e membros do setor produtivo com práticas mais ecoeficientes. Tod@s reunid@s por uma causa em comum: compartilhar desafios e oportunidades para a Gestão do Ciclo de Vida nas mais variadas atividades humanas. A maior parte vai de avião, fica em hotéis, pega táxi ou semelhantes, usa computador, projetor, papel, consome água, alimentos, café (muito café!!!) e ao final do evento voam de volta para casa. Grandes consumos de materiais e energia provocados por um evento focado em menores consumos de materiais e energia! O lado bom é que para todo processo impactante provocado por um congresso há um ou mais potenciais processos mitigadores.

A última edição do congresso, o qual o renomeamos como GCV 2018, aconteceu em Brasília, entre os dias 17 e 20 de junho de 2018, no edifício da Fundação Darcy Ribeiro na Universidade de Brasília. O evento foi organizado pela Associação Brasileira de Ciclo de Vida (ABCV) e no caso desta edição, pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – Ibict. No Ibict, a nossa coordenação de Tecnologias Aplicadas a Novos Produtos – COTEA – foi responsável pela organização com a ABCV. Nessa edição do evento foram submetidos 251 trabalhos, dos quais foram 85 apresentações orais e 152 apresentações em pôster. Destes pôsteres, cerca de 30 foram deixados por seus autores para que a organização do evento desse a destinação adequada. E aí surgiu um desafio: qual é a melhor forma de descarte deste material?

Um pôster tem uma composição mais ou menos padrão. Em geral é feito de lona de vinil, o policloreto de vinila ou PVC [(C2H3Cl)x]. Trata-se de um tipo de plástico constituído de cloro e eteno (proveniente do petróleo). Além da lona, costuma ter dois bastões de madeira, plástico ou metal nas duas extremidades verticais, um cordão de plástico de nylon na extremidade vertical superior e tinta da impressão do conteúdo que traz. O material mais representativo em massa é o PVC, que também é o mais problemático do ponto de vista ambiental. O PVC tem potencial carcinogênico durante sua produção, além de ser de origem fóssil e de longo período de decomposição. Enfim, pôsteres constituem um dos processos impactantes de um congresso. E há processos mitigadores para eles.

No Distrito Federal (DF), há uma região administrativa (ou cidade-satélite para os mais antigos) chamada Estrutural. A Estrutural tem esse nome por ficar às margens da avenida estrutural, uma dos acessos rodoviários ao DF. Hoje uma cidade, era um aglomerado desordenado de pessoas que viviam da coleta do que pudesse ter valor dentro do extinto lixão da Estrutural, que até o início de 2018 era considerado o maior da América Latina e o segundo maior do mundo. A antiga invasão se “estruturou” ao longo dos anos e se tornou a XXV região administrativa do DF em 2004. A agora cidade Estrutural tem pouco mais de 35 mil habitantes, a grande maioria de jovens entre 15 e 39 anos (63%) com baixa escolaridade e com poucas oportunidades profissionais.

Com o fechamento do lixão (e a abertura do aterro sanitário de Samambaia), muitas pessoas perderam seus trabalhos. Por pior que fossem, era para muitos a única fonte de renda e muitas vezes de alimento e vestimentas. Uma dura realidade que não se extinguiu junto com o lixão, muitos dos ex-catadores e catadoras ainda não conseguiram outras oportunidades no mercado de trabalho.

Neste cenário é que atua a Associação Mãos que Criam. Uma entidade sem fins lucrativos na cidade Estrutural que promove ações de capacitação profissional e geração de renda para mulheres da cidade em situação de vulnerabilidade social. Desde 2003, a associação concentra suas atividades em costura e artesanato e fazem um belíssimo trabalho de reaproveitamento de materiais para a confecção de bolsas, sacolas, nécessaires, aventais, estojos, ecobags, cestos, frasqueiras e tantos outros produtos. Em sua maioria, os produtos são feitos a partir de lona de vinil oriunda de eventos como o GCV 2018.

O trabalho desta associação, destas mulheres aumenta a permanência de materiais em ciclos úteis de uso, um dos princípios da Economia Circular. Ao produzir uma sacola para eventos, há uma redução da demanda por materiais virgens para a produção de novas sacolas e da disposição inadequada de PVC em aterros. Fora os benefícios ambientais, há também aspectos sociais positivos. Muitas das costureiras e artesãs que trabalham na associação são mulheres que estavam envolvidas na coleta de materiais recicláveis no extinto lixão. Trabalhando na associação, elas aprenderam novos ofícios e passaram a ter uma nova profissão e fonte de renda.

Mas para que a economia circule de fato, há algumas barreiras a serem vencidas. Os produtos que elas criam têm que ter vazão no mercado, se não a associação se torna apenas um local alternativo de disposição destes materiais. E não é por falta de oportunidade. O Brasil é o 16º país que mais realizou eventos em 2017, segundo o ranking internacional da Associação Internacional de Congressos e Eventos (ICCA em inglês). A entidade contabiliza os eventos internacionais a partir da 3ª edição que agreguem no mínimo 50 pessoas. Nesta configuração o Brasil teve 237 eventos em 2017, São Paulo ficou em primeiro (55), seguido de Rio de Janeiro (48), Foz do Iguaçu (15), Florianópolis (15) e Brasília (13). Estamos falando apenas dos eventos internacionais. Em Brasília há muitíssimos eventos nacionais ao longo do ano, conferências, seminários e congressos que distribuem aos participantes materiais dentro de sacolas.

Uma parcela pequena destes eventos que utilizem sacolas produzidas pelas profissionais da Mãos que Criam, certamente movimentaria bem a associação. Essas mulheres são agentes da sustentabilidade, mas precisam de apoio para que o trabalho delas surta o efeito necessário. Conheçam o trabalho da associação, divulguem e recomendem. Com pequenas ações como essas conseguimos ajudar estas mulheres a nos ajudar a tentar fechar o ciclo. Por mais utópico que pareça, essa deve ser sempre nossa meta. Sejamos todos agentes da sustentabilidade.

Associação Mãos que Criam

Área especial 10/13 setor central, cidade Estrutural-DF
Telefone: +55 (61) 3465-5764 / 98604-4916 (whatsapp) / 99253-7628
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