Publicado dia 07/03/2019
Confira o artigo do pesquisador Thiago Rodrigues sobre a 24ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas e as mudanças de hábito e de paradigmas de desenvolvimento
Nas duas primeiras semanas de dezembro de 2018, o mundo se reuniu na carbonífera Katowice, na Polônia, para discutir ações contra o aquecimento global. A 24ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP 24) reuniu mais de 23.000 atores do clima de 150 países para chancelar o Acordo de Paris, produto da COP 21 (2015) a ser efetivado a partir de 2020. O acordo tem um objetivo maior de evitar o aumento da temperatura média global em mais de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, com esforços maiores para limitar em 1,5°C e, assim, mitigar os impactos das alterações climáticas.
Pois bem, o que se fez em Katowice foi elaborar um manual de regras para colocar o acordo em prática. Trata-se de um guia com diretrizes comuns para TODOS OS PAÍSES reportarem seus esforços nacionais de mitigação e definirem periodicamente suas metas decrescentes de emissões.
O que não se fez em Katowice foi convencer TODOS OS PAÍSES sobre o tamanho do problema. Na fala de muitos participantes, faltou ambição para a definição de ações mais impactantes. Os países fossilizados de sempre (EUA, Rússia, Kuwait e Arábia Saudita) colocaram em dúvida os resultados do último relatório do IPCC. O documento lança uma bomba relógio com contagem de 12 anos para cortarmos 45% das emissões de GEE se quisermos limitar o aquecimento médio em até 1,5°C. Não à toa, EUA, Rússia e Arábia Saudita estão entre os oito maiores países fomentadores do aquecimento global.
Assim, todos voltam para casa com um manual embaixo do braço e sem saberem exatamente como (ou por que?) usá-lo. Os países mais vulneráveis – pobres e/ou insulares – ficaram com uma expectativa nebulosa sobre financiamento climático. Logo no início da conferência, o Banco Mundial anunciou um investimento de US$ 200 bilhões para combater as mudanças climáticas e estimulou outras instituições financeiras a fazerem o mesmo. No entanto, faltou clareza nas discussões durante o evento: como se dará o financiamento de US$ 100 bilhões até 2020 e das metas (ambiciosas?) após 2025?
Outra questão não resolvida na Polônia foi uma dinâmica global sobre o mercado de carbono. O Brasil teve um papel de destaque nessa discussão. A delegação brasileira provocou mais um dia de conferência tentando flexibilizar as regras de compra e venda de créditos de carbono. Não passou e a decisão ficou para o próximo ano, no Chile.
Aliás, essa mudança de sede da COP 25 – que seria no Brasil – foi bastante sintomática. A desistência brasileira emitiu um sinal de mudança tempestuoso sobre como o país conduzirá a questão climática nos próximos anos. Alguns dos próximos ministros envolvidos com a causa – do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ministério das Relações Exteriores (MRE) – tratam-na como um problema secundário. Para o nosso novo chanceler, o aquecimento global é uma ideologia da esquerda.
Apesar de serem opiniões pessoais, estes senhores foram escolhidos por representarem uma visão de governo. São velhas visões políticas que enxergam a proteção de nosso maior patrimônio como entrave ao desenvolvimento da nação. São míopes, com visão fragmentada, não percebem que é justamente a conservação dos nossos recursos naturais que nos colocará entre as maiores economias mundiais. Na verdade, entre as maiores bioeconomias, já que as petroeconomias têm prazo de validade expirando!
O Brasil tem uma vocação indiscutível para ser um dos líderes da transição para uma economia de baixo carbono. Temos os recursos necessários, temos capital humano, o setor produtivo está engajado, a lei nos ampara. Um estudo realizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) destacou que no Brasil é possível reduzir emissões GEE a custos muito menores que em outros países, justamente devido às nossas condições exclusivas.
Essa transição não pode ser adiada; cada dia, mês, ano que passa em que mantemos o padrão tradicional, fóssil, se aumenta a conta a pagar. Quanto mais promovemos de fato a circularização da economia, menor fica o saldo devedor. Esse saldo não vai zerar, gastamos (mal) mais recursos do que o planeta é capaz de prover em um ano.
Mas podemos reduzir razoavelmente o nosso déficit ambiental se incorporarmos o “esverdeamento” da economia e refletirmos sobre nossos hábitos de consumo. Enquanto consumidores, devemos dar prioridade a produtos duráveis passíveis de manutenção, devemos focar na desmaterialização da economia, no resíduo zero, repensar a necessidade de consumir, compartilhar produtos e serviços, cobrar do estado a regulamentação e subsídios para atividades sustentáveis (isenções e incentivos fiscais, legislações específicas, fiscalização rigorosa de atividades insustentáveis, programas de educação ambiental, etc.) e do setor produtivo opções e ações sustentáveis (logística reversa, menos embalagens, serviços no lugar de bens de consumo, rotulagem ambiental etc.).
Mudanças de hábito e de paradigmas de desenvolvimento são difíceis, sofridas, mas será mais complicado conviver com as mudanças decorrentes da inércia frente aos problemas ambientais que estamos causando. Temos que mudar por sensibilização para ações mitigadoras e preventivas, pois não podemos mudar de planeta. Temos um acordo internacional, as regras foram definidas, mãos à obra! E, sempre que possível, plante uma árvore.
Por Thiago Rodrigues
Especialista em ACV e Doutor em Ciências Florestais