A partir do final da década de 1960, a conscientização sobre os problemas ambientais começou a tomar uma escala global. Em 1968, a percepção da crescente interdependência dos países do planeta e do uso dos recursos naturais serviu de estímulo a políticos, industriais e acadêmicos a fundarem o Clube de Roma, com objetivo maior de identificar os principais problemas que determinarão o futuro da humanidade (CLUB OF ROME, 2012). Em 1972, o grupo concretizou sua missão com o lançamento do estudo Limites do Crescimento, no qual há a previsão de cenários em que o mundo atingiria o colapso devido ao desequilíbrio entre o consumo e a oferta de recursos naturais ou se estabilizaria. Neste contexto é que nasce a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV).
A Midwest Research Institute (MRI), responsável pelo estudo, aprimorou o modelo ao realizar outro estudo, desta vez para a agência norte americana de proteção ambiental, (Environmental Protection Agency – EPA), em 1974. Este modelo se tornou o ponto de partida do que viria a se chamar Avaliação do Ciclo de Vida (CHEHEBE, 1997).
O interesse pela ACV aumenta, vários estudos são realizados e os primeiros problemas começam a aparecer pelos resultados diferentes para um mesmo produto sob avaliação (BENOIST, 2009). No intuito de organizar as diversas frentes de pesquisa voltadas ao desenvolvimento da ACV, a Sociedade de Toxicologia e Química Ambiental, (Society of Environmental Toxicology and Chemistry – SETAC), promoveu o primeiro evento científico sobre o tema em 1989. Encontros anuais foram realizados na América do Norte e na Europa, para o desenvolvimento de uma metodologia padrão de ACV (GUINÉE et al., 2004).
Na década de 1990, a ACV avançou bastante, com a fundação de instituições dedicadas ao método, o lançamento de livros e guias para a prática, a criação de jornais científicos orientados para o tema, até chegar à normalização (BENOIST, 2009). Em 1997, a Organização Internacional para a Padronização, ISO (International Organization for Standardization), lançou a ISO 14040 Gestão Ambiental – Avaliação do Ciclo de Vida – Princípios e Estrutura. Uma série de outras normas foi publicada até a última, ISO 14044:2006 com os requisitos e orientações para a execução de um estudo ACV.
Em 2002 o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a SETAC se associaram para lançar a Iniciativa para o Ciclo de Vida ou Life Cycle Initiative (LCI). Tal iniciativa visa estimular a prática da abordagem do ciclo de vida pelo mundo (UNEP, 2005). Desde então, a Unep vem participando e promovendo eventos, executando projetos e apoiando redes regionais para a consolidação do LCI (UNEP, 2012).
Hoje, o Pensamento do Ciclo de Vida está razoavelmente difundido no mundo. Embora não seja uma exigência à produção ou comercialização de produtos, há uma série de medidas que tornam o estudo de Ciclo de Vida de produtos praticamente indispensável. Na França, com a promulgação da lei Grenelle II, tornou-se obrigatória a divulgação de informações sobre o teor de carbono, o consumo de recursos naturais e os impactos ambientais nas embalagens dos produtos (LEGIFRANCE, 2012). A rotulagem ambiental do tipo III, normatizada pela ISO 14025:2006, está sendo um critério marcante no comércio internacional e é integralmente baseada na ACV (EPD, 2012). No Brasil, a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos instituiu a responsabilidade compartilhada pelo Ciclo de Vida dos produtos entre todos os envolvidos, desde o fabricante até o serviço de limpeza urbana, a fim de minimizar seus resíduos sólidos e rejeitos gerados (BRASIL, 2010).
ACV no Brasil
A ACV teve início no Brasil na metade dos anos 1990, mais exatamente em 1994, com a implantação de um subcomitê específico ao tema dentro do Grupo de Apoio à Normalização Ambiental (GANA) (SEO e KULAY, 2006). Tal grupo se dedicou à análise do desenvolvimento da série de normas ISO 14000 que tratam da gestão ambiental dentro de empresas.
Quase ao mesmo tempo do lançamento da primeira norma exclusiva em ACV, em 1998 foi lançada a primeira publicação didática sobre a metodologia, em português. Trata-se do livro Análise de Ciclo de Vida Produtos – Ferramenta Gerencial da ISO 14000, de autoria do professor José Ribamar Brasil Chehebe (CHEHEBE, 1997).
No ano seguinte é produzido o primeiro resultado de pesquisa científica com aplicação da metodologia da ACV. A pesquisa Avaliação do Ciclo de Vida de Embalagens para o Mercado Brasileiro foi realizada pelo Centro de Tecnologia de Embalagem do Instituto de Tecnologia de Alimentos (CETEA/ITAL) (GARCIA et al, 1999).
A normatização no Brasil veio três anos depois, com o lançamento da norma ABNT NBR ISO 14040 em 2001 (ABNT, 2009), a versão da norma internacional traduzida. O Brasil participa das discussões sobre ACV através do Comitê Brasileiro de Gestão Ambiental (CB-38) vinculado à Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Tal comitê age nos moldes do Comitê Técnico 207 da ISO, o qual tem um subcomitê (3) dedicado exclusivamente à ACV.
Em 2002 a ACV passou a ser tratada institucionalmente no país através da criação da Associação Brasileira de Ciclo de Vida, a ABCV. A ABCV busca fomentar a ACV nos diversos setores de interesse como as indústrias e os centros de ensino e pesquisa, além do governo. As principais ações da entidade são a promoção de cursos de capacitação e a realização do Congresso Brasileiro de Gestão do Ciclo de Vida – CBGCV (ABCV).
Em 2003, outra instituição de renome no país, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) incorpora a ACV como parte de suas linhas temáticas. Como o cerne do Ibict é a informação, desde o início a instituição tem focado em ações para o desenvolvimento de bases de dados nacionais (Ibict, 2014). Neste sentido, em 2004 o Ibict firma parceria com o Laboratório Federal da Suíça para Ciência e Tecnologia de Materiais (EMPA) com o objetivo de capacitar atores brasileiros em ACV na construção de uma base de dados de Inventários de Ciclo de Vida (ICV) nacional.
Já em 2004, outra instituição bastante reconhecida no Brasil, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) define a ACV como ponto estratégico para a Avaliação de Conformidade de produtos processos, serviços e pessoal. Desta forma, a ACV passa a ser critério crucial para atestar o grau de confiança de um produto ou processo em relação ao seu desempenho ambiental. (INMETRO).
Em 2005 foi publicado o livro Avaliação do Ciclo de Via – A ISO 14040 na América Latina. Nesta publicação há exemplos claros do desenvolvimento de uma estrutura metodológica para maior compreensão da abordagem do ciclo de vida na região. A obra explicitou a participação efetiva dos vários setores da sociedade – governo, academia e indústria – no fortalecimento da ACV no continente e em especial no Brasil (CALDEIRA-PIRES et al., 2005).
Em 2006, um grande projeto sob coordenação do Ibict foi aprovado com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O projeto se chamou Inventário do Ciclo de Vida para a Competitividade Ambiental da Indústria Brasileira (SICV Brasil) e buscou promover o desenvolvimento de um sistema de informação para os ICVs nacionais, uma ontologia em ACV, um portal sobre ACV, capacitação técnica na metodologia e um guia para construção de ICVs. Nesse momento, o Ibict passa a ser um dos protagonistas do desenvolvimento da ACV no Brasil.
No ano de 2010 é lançado o Programa Brasileiro de ACV, o PBACV, através de uma resolução do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial do INMETRO (BRASIL, 2010). O PBACV visa em síntese o fortalecimento da ACV através de ICVs nacionais, disseminação de informação sobre o Pensamento do Ciclo de Vida, capacitação técnica e definição das categorias de impacto mais relevantes no país. Também neste ano, são editados os guias mais completos sobre o tema, os handbooks da plataforma europeia de ACV (EPLCA).
De 2012 até a atualidade, o Ibict tem se destacado nas ações de promoção e difusão do conhecimento em ACV. Uma cartilha infantil (Ibict, 2012), um manual de ontologia (SILVA et al, 2015), uma cartilha aos pequenos e médios empresários (Ibict, 2014), a tradução do handbook ILCD (EC, 2014) e o documento técnico sobre ACV no Brasil e na Europa (CHERUBINI e RIBEIRO, 2015) foram publicados pelo instituto. Estas publicações também consolidam parcerias estratégicas como a com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Joint Research Centre (JRC) da União Europeia.
ABCV – Associação Brasileira de Ciclo de Vida. http://abcvbrasil.org.br
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Norma NBR ISO 14040 – Gestão Ambiental – Avaliação do Ciclo de Vida – Princípios e Estrutura. São Paulo, SP. 2009. 21 p.
BENOIST, A. Elements d’adaptation de la methodologie d’analyse du cycle de vie aux carburants vegetaux: cas de la première generation. Tese de doutorado apresentada à École de Mines Paris Tech, Paris, France, 2009. 232 p.
BRASIL. Lei – Política Nacional de Resíduos Sólidos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm
BRASIL. Resolução nº 04/2010. Dispõe sobre a Aprovação do Programa Brasileiro de Avaliação do Ciclo de Vida e dá outras providências. Conselho Nacional de Metrologia, Normalização, e Qualidade Industrial – CONMETRO, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC. 2010.
CALDEIRA-PIRES, A. A.; SOUZA-PAULA, M. C.; BÔAS, R. C. V. (orgs). A Avaliação do Ciclo de Vida – A ISO 14040 na América Latina. ABIPTI: Brasília, DF. 2005. 337 p.
CHERUBINI, E.; RIBEIRO, P. T. Diálogos Setoriais Brasil e União Europeia – Desafios e soluções para o fortalecimento da ACV no Brasil. Ibict: Brasília, DF. 2015. 183 p.
CHEHEBE, J. R. Análise do Ciclo de Vida de produtos: ferramenta gerencial da ISO 14000. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., CNI, 1997. 120 p.
CLUB OF ROME. Disponível em http://www.clubofrome.org/
CURRAN, M. A. Life Cycle Assessment: Principles and Practice. EPA – Environmental Protection Agency: Cincinnati, EUA, 2006. 88 p.
EC – European Comission-Joint Research Center-Institute for Environment and Sustainability. Manual do Sistema ILCD – Sistema Internacional de Referência de Dados de Ciclo de Vida de Produtos e Processos. Guia Geral para Avaliações do Ciclo de Vida: Orientações detalhadas. VASCONCELOS, L. M. (trad.). CNI/Ibict (Ed.). 2014. 318 p.
EPD – Environmental Products Declaration Disponível em: http://www.environmentalproductdeclarations.com/.
EPLCA – European Platform on Life Cycle Assessment. http://eplca.jrc.ec.europa.eu/
GARCIA, E. E. C. et al. – “Análise de ciclo de vida de embalagens para o mercado brasileiro”. Relatório Final Confidencial do Projeto FAPESP, 1999.
GUINÉE, J. B., GORRÉE, M., HEIJUNGS, R., HUPPES, G., KLEIJIN, R., KONING, A. de, VAN OERS, L., SLEESWIJK, A. W., SUH, S., DE HAES, H. A. U. de., BRUJIN, H. de, VAN DUIN, R., HUIJBREGTS, M. A. J., LINDEIJER, E., ROORDA, A. A. H., DER VEN, B. L. V., WEIDEMA, B. P. Handbook on life cycle assessment: operational guide to the ISO standards. Dordrecht, Holanda: Kluwer Academic Publishers, 2004. 687 p.
Ibict – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. O Pensamento do Ciclo de Vida: uma História de Descobertas. LAMB, C. M. S. R. (coord.). Brasília, DF. 2012. 52 p.
Ibict – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Desenvolvimento Sustentável e Avaliação do Ciclo de Vida. LAMB, C. M. S. R. (coord.). CNI/Ibict: Brasília, DF. 2014. 33 p.
INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Qualidade/Avaliação da Conformidade – PBACV http://www.inmetro.gov.br/ qualidade/pbacv/objetivo.asp
LEGIFRANCE. LOI nº 2010-788 du 12 juillet 2010 – Article 228: portant l’engagement national pour l’environnement. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexteArticle.do;jsessionid=5CC932075C1106B897A7CBA83C508092.tpdjo11v_1?idArticle=JORFARTI000022471699&cidTexte=JORFTEXT000022470434&dateTexte=29990101&categorieLien=id>
SEO, E.S.M., KULAY, L. A. Avaliação do ciclo de vida: Ferramenta gerencial para tomada de decisão. InterfacEHS. Revista de gestão integrada em saúde do trabalho e meio ambiente, 2006. Disponível em : <http://www.revistas.sp.senac.br/index.php/ITF/article/viewFile/421/358>
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UNEP/SETAC. Life Cycle Approaches – the road from analysis to practice. United Nations Environment Program/Society of Environmental Toxicology and Chemistry. Paris, France, 2005. 89 p.
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